Paralisia
Abriu os olhos e não quis sair da cama. A luz que entrava pela janela queria forçá-la a levantar mas a sua determinação em não viver era mais forte.
Depois de um tempo longo o suficiente para passar o dia se remoendo em culpas por não ter saído da cama antes, resolveu se mexer.
Foi aí que eu senti algo me puxar. As cobertas se enrolavam no meu corpo e sobre elas sentia dedos fortes o bastante para não me deixar escapar dali. Quanto mais eu tentava me esquivar mais densa era a força que me prendia.
Não sonhava. Era real. O quarto era o mesmo. A cor das cobertas. Até a posição delas: a azul por baixo, a cinza em cima.
A luz que entrava. Não era um sonho. Algo concreto a puxava e ela não tinha coragem de olhar o que era.
Apenas sentia as mãos, os dedos.
Saiu da cama presa nas cobertas e num instinto infantil quis gritar pela mãe, pedir socorro.
Aí eu lembrei que a minha mãe está morta. Num lampejo de aparente racionalidade, achei que tudo bem, que era até bom, porque não havia explicação nenhuma para aquilo, devia ser algum tipo de fantasma-espírito-demônio e que era o dever dela me ajudar e tirar aquelas mãos de mim.
Foi então que eu abri os olhos. O quarto. A luz. As cobertas. Azul. Cinza.
Os dedos. As mãos. Dessa vez eu não consegui sair da cama. Estavam mais fortes.
Abri os olhos. De novo. O quarto. A luz. As cobertas. É o meu quarto, é real.
Abriu os olhos. Sentiu as mãos. Fechou os olhos. Sentiu as mãos.
Não podia acordar porque não dormia. Há muito não dormia.
Abri os olhos. Tentei olhar o que me prendia. Quanto mais me virava, menos via e mais sentia os dedos sobre o tecido das cobertas apertarem meus braços e puxarem minhas costas.
Abriu os olhos. Não se movia. Entendeu que dormir já não era seguro e que a cama já não servia de abrigo para o seu escapismo.
Abri os olhos. O mesmo quarto. As mesmas cobertas. A luz cortada pelo travesseiro que estava no meu rosto. Não senti as mãos que causavam a paralisia.
Abriu os olhos, viu que estava onde deveria estar.
Isso não trouxe conforto algum.
(Escrito em 2022)